Jorge de Sena, com Faria e Sousa e alguns jogos diabólicos no Camões de ambos

O ensaio de Luis Maffei, presente na coletânea A crítica de Jorge de Sena, organizada por Joana Matos Frias e Joana Meirim, parte do prefácio escrito por Sena ao Comentário de Faria e Sousa sobre Os Lusíadas para mostrar os pontos de contato entre os dois apaixonados estudiosos de Camões. Com isso, discutem-se temas como a noção de pátria, a tarefa da crítica e o papel do esoterismo no pensamento camoniano. Aderindo às celebrações dos 450 anos de Os Lusíadas, trazemos esse texto de grande interesse para a investigação da vertente camonista da obra de Jorge de Sena.

Luis Maffei

Jorge de Sena escreveu mais que fartamente sobre Camões. Estará aí um de seus pontos de encontro com Manuel de Faria e Sousa, comentador camoniano do século XVII que, em termos de enamoramento pelo poeta que ambos amavam, é, talvez, o mais lídimo antecessor do visceral crítico novecentista. O prefácio que Sena escreve, datado de 1972, para a edição da Imprensa Nacional – Casa da Moeda do Comento de Faria e Sousa a’Os Lusíadas é, entre outras coisas, uma deflagrada declaração de admiração e uma discreta assunção de filiação. Faria e Sousa veio sendo, ao longo dos séculos, menos reconhecido que atacado, especialmente pelo excesso com que lidou com a obra de Camões. Esse excesso o levou, inclusive, no caso da lírica, a incluir novos poemas na obra, édita já de muito. Mesmo nisso Sena defende o erudito barroco, ressaltando que a tarefa de Faria e Sousa esteve muito atenta a seu papel diante da posteridade.[1]

O trabalho com Camões desse singular indivíduo do Seiscentos, inclusive por sua relação com Castela, passou séculos à disposição de quem lhe quisesse bater. Seu Comentário d’Os Lusíadas é em castelhano, e o nobre português não parece que tenha lutado ferozmente pela recuperação da independência de seu país natal – ainda que paire sobre sua biografia a suspeita, muito simpática para alguns, de que ele tenha sido uma espécie de espião da Lusitânia infiltrado em Espanha, em posição, até, de certo privilégio. Mas também flutua sobre a memória de Faria e Sousa a pecha de antiportuguês, contrário mesmo à Restauração, ou seja, alguém cujo nacionalismo não pode ser reivindicado. Sena, nesse aspecto, desvela um argumento interessante acerca do que sejam nacionalismos e quejandos nesse momento da história das Espanhas:

[d]epois de 1580, e de fracassadas as tentativas do rei D. António – o prior do Crato – para despertar o País para algo de semelhante ao que aconteceu duzentos anos antes, a aceitação é geral em favor do status quo representado pela Monarquia Dual. (…) a união de coroas na pessoa de um príncipe estrangeiro não afectava necessariamente uma concepção de patriotismo. (Sena, 1980a: 175)

Portanto, não faz sentido, para Sena, atacar tardia e recorrentemente a não lusofilia de Faria e Sousa, pois um dos argumentos que a sustenta é débil.[2] A escrita seniana sobre o comentador é claramente empática, sentimento ampliado por o felgueirense ter estado diante dos dentes ferozes da Inquisição:

Faria e Sousa – e Camões também – tinha inimigos e D. Agostinho Manuel de Vasconcelos apressou-se a denunciar a obra e os autores à Inquisição de Espanha. Mas, nesta, lá estava Tamayo de Vargas, que ainda viveu o tempo suficiente, ainda que escasso, para tanto – e a denúncia não teve efeito. Logo a mesma personagem, de parceria com o poeta Manuel Galhegos e o polígrafo Manuel Pires de Almeida, repetiu a denúncia à Inquisição de Portugal, que era muito menos leniente em matérias literárias do que a outra. (…). É evidente que a ortodoxia tinha Camões debaixo de olho, e muito mais quem tentasse habilmente desculpá-lo. A obra foi, todavia, liberada, não sem ter indignado também alguns sebastianistas, e as polémicas contribuíram para o seu êxito. (Sena, 1980a: p. 186)

Note-se, malgrado a sutileza, o peso da frase “Camões também”. Já volto a recuperar, com Sena, o sebastianismo, mas tomo suavemente o enfrentamento que opôs Faria e Sousa à Inquisição para levantar um dos traços de união entre os dois autores: ambos viveram situações políticas de exceção, e, de modo e em tempos distintos, lidaram (Camões também) com o exílio – Faria e Sousa terá vivido, se quisermos, uma espécie de semiexílio com a União Ibérica; por outro lado, ainda mais se levarmos em conta a rivalidade entre vizinhos que tanto chamou a atenção de Freud, esse semiexílio não deixa de ser um superexílio. Se não houve uma Inquisição no caminho de Sena, houve um fascismo, e ninguém duvide da natureza inquisitorial dos regimes fascistas ou de inclinação fascista, tenham Salazar, Mussolini ou Bolsonaro à frente. Não estranha que ambos os autores, e Faria e Sousa mesmo antes de seu processo inquisitorial, dada sua situação entre dois povos, se vejam em lugar pouco confortável e dirijam suas línguas ferinas contra muitos inimigos, declarados ou não.

Camões, cuja heterodoxia tampouco ajudava a se tornar inequívoco ao longo dos séculos XVII e XVIII, é o lugar-comum preciso entre esses dois exilados de fala por vezes virulenta, por vezes rematadamente acusatória. Como Sena bem relata, “considerava Faria e Sousa, e não apenas para fazer-se valer diminuindo os outros, o seu antecessor em comentários indigno da categoria do poema, e não estimava grandemente (…) o trabalho de (…) Severim de Faria” (Sena, 1980a: 193). O outro biógrafo de Camões que figura na citação é Manuel Correia. Não apenas para diminuir os outros, mas também para isso, o que o ajudaria a marcar sua posição, Faria e Sousa critica os que, em seu entender, não estão à altura de Camões. Por isso é que, ao defender o comentador, Sena não deixa também de se defender, o que não surpreendente ninguém, posto que o autor das Metamorfoses não desapreciava uma boa pugna. O, agora posso dizer sem receio (ainda que Sena seja muito mais que isso), herdeiro de Faria e Sousa desagrada mesmo alguns de seus críticos por não perder oportunidades de desabonar alguém, ou alguma postura cultural e/ou política, sempre que pode.[3] Essa, além da fartura de períodos longos e de notas de pé de página, ou de fim, é uma das marcas da ensaística seniana.

Ler Faria e Sousa comentando Os Lusíadas ou Jorge de Sena, outro polígrafo, escrevendo sobre qualquer coisa que lhe possa ter interessado põe, em síntese, o leitor diante de um exacerbamento. Após o que Michel Foucault chama de época clássica, e, ainda por cima, após o XIX, deixou de haver qualquer possibilidade dentro da cultura ocidental de se pensar na linguagem como possuidora de um liame com a realidade – que passe o uso genérico, rápido demais, do último vocábulo –, por isso Sena não foi um comentador. Para encerrar, pois, um mundo cheio de correspondências, primeiro a representação clássica, depois um terreno romântico em que se cultivou a História, a Psicanálise etc., coisas muito modernas. Foucault entende que o espírito renascentista de ver “siglas depositadas nos manuscritos ou nas folhas dos livros” demandava “uma linguagem segunda – a do comentário, da exegese, da erudição – para fazer falar e tornar enfim móvel a linguagem que nelas dormitava” (Foucault, 1999: 108).

A edição comentada d’Os Lusíadas por Faria e Sousa é publicada em 1639, em Madri. É já um livro barroco, comentando a obra magna de um poeta que Sena prefere entender como dotado de uma dicção menos próxima ao Renascimento que ao Maneirismo. Contudo, Faria e Sousa, não apenas por comentar Camões, mas por sua própria época, não está nada longe do mesmo Maneirismo que ensombrou a pena camoniana e forneceu-lha imensa, agônica liberdade –[4] esta é uma das mais preciosas lições sobre Camões que aprendi com Sena. Tanto o Maneirismo como este Barroco que guiou o espírito do Faria e Sousa comentador de Camões ainda entendem que a linguagem possui o que Foucault chama de “siglas”, ainda que já de modo crítico, e é isso o que permitiu àquele que chamava Camões de “mi poeta” justamente o Comentário: a vontade de “fazer falar e tornar enfim móvel” o épico camoniano.

Jorge de Sena começa a escrever nos anos de 1940, e pertence à segunda metade do século XX a parte mais numerosa e substancial de sua obra, em todos os gêneros que visitou. Moderno já no tempo de se discutir a Modernidade, ele não poderia nem pensar numa linguagem cheia de correspondências e equivalências, e não poderia, logo, jamais cogitar a hipótese do comentário, de fato. Não obstante, a memória desse tipo de prática reside no desejo, erudito e libidinal ao mesmo tempo, de dar mobilidade ao texto. A escrita de Sena é dona de uma cultura farta, e seus textos não são necessariamente hesitantes. No entanto, desejam um pensamento móvel, e, para isso, como já não é mais possível um texto estar colado em demasia ao que o pretextou, o autor de Da poesia portuguesa recorre a dois modos de dar abertura a seus escritos, já aqui indicados: muitas intercalações, que aprofundam certos tópicos (o que não raro faz com que a conclusão de um sujeito textual demore muitas linhas a aparecer, criando períodos compostos de tirar o fôlego), e as famosas notas. Um exemplo da importância delas está precisamente no prefácio ao Comento de Faria e Sousa. O texto, sem as notas, que são de fim, tem 31 páginas; só as notas, por sua vez, somam 47. Não é traço insignificante de um escritor que um importante texto seu possua mais páginas com notas, mais de 60%, que com o chamado texto corrido.

 Depois falo mais de números, outro gosto seniano. Antes, ainda em virtude do estilo, ou melhor, do ethos patético, ou do pathos ético, que une os logoi de Sena e Faria e Sousa, ocorre-me que escritas como as deles antecipam a ideia muito cibernética de hipertexto: uma palavra se abre a outra, outra a uma ideia complexa, essa ideia a ainda outra, permitindo uma intertextualidade babélica, no sentido borgiano – e não só. Sena, se tivesse conhecido a Internet, talvez lamentasse o uso tacanho que se costuma fazer da rede, que, com isso, perde imenso de seu caráter virtual, no sentido de possibilidades que se jogam ao devir como tempo de atualização, e adota um caráter meramente digital – uso esses termos a partir de Pierre Lévy. O que chamei de hipertexto é mesmo um aspecto buscado pelo Comentário, e recuperado por uma escrita em desdobramento como a de Sena. É hipertextual a conexão renascentista com a linguagem, cujo espírito permanece até o começo do Barroco para, ainda no século XVII, ir desaparecendo.

Hipertextual também é um aspeto da já indicada heterodoxia camoniana, o que faz Sena inclusive entender que Camões, demorasse mais a morrer, se tornaria um claro antissebastianista; sua obra já era vista como tal:

(…) o messianismo cristológico aparece como uma reacção espiritualista (ou “espiritual”, mais corretamente) contra a reafirmação da autoridade da Igreja, qualquer igreja, como o único veículo para realizações messiânicas. (…) a cristologia messiânica de Camões, extremamente heterodoxa, mas sumamente posta no abstracto do moral e do metafísico, colidiria igualmente com os sebastianismos, com os “ortodoxos” sacristães, e mesmo se recusaria a manipulações de baixa política quanto a materializar-se em restaurações, mesmo altamente patrióticas. (Sena, 1980a: 244)

Ao mesmo tempo, segundo Sena, Camões é, e Faria e Sousa foi um leitor que não o ignorou, adepto de uma “cristologia messiânica” que nega dois autoritarismos ao mesmo tempo: o da Igreja, qualquer que seja, e o da “baixa política”.[5] Um sebastianismo de patriotismo parcial, talvez mesmo artificial, que negava o fato da aceitação generalizada, de acordo com Sena, da Monarquia Dual, fazia parte dessa “baixa política”. Eu não sei, não se sabe, a força de algo que se possa entender como patriotismo em Faria e Sousa; sabemos que ele foi acusado em ambos os lados da fronteira luso-espanhola. O grande comentador d’Os Lusíadas e das Rimas jamais viveu sob o reinado de D. Sebastião, tendo nascido em 1590, dez anos após o estabelecimento da União Ibérica. O que eu leio em Sena de modo bastante agudo não é exatamente a reivindicação de um patriotismo para Faria e Sousa, nem para Camões, mas um questionamento da própria noção de patriotismo, entendendo-a como potencialmente despótica e punitiva.

Isso me lembra um grande poema, e quiçá eu só tenha escrito o que acabo de escrever justamente por causa dele: “Em Creta, com o Minotauro”, de Peregrinatio ad loca infecta, de 1969. Cito só parte da primeira das cinco secções:

Nascido em Portugal, de pais portugueses,
e pai de brasileiros no Brasil,
serei talvez norte-americano quando lá estiver.
Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. (…) (Sena, 1989: 74)

O patriotismo, para Jorge de Sena, é, para dizer pouco, um valor discutível, inclusive pela facilidade que apresenta, por ser de natureza o mais das vezes vaga, forçada, de ser apropriado pelo já citado fascismo. O prefácio de Sena a Faria e Sousa apresenta uma citação a Tomás Tamayo de Vargas, crítico espanhol que redigiu parecer muito favorável ao Comentário. Sena destaca uma frase de Vargas: “o espírito de Luís de Camões é maior que a matéria de que tratou” (Apud Sena, 1980a: 186). Aposta à citação, a indicação de uma nota, que diz o seguinte:

Não cremos que isto deva interpretar-se como Vargas insinuando que Camões era, como génio, muito superior à história de Portugal, que celebrava, ao celebrar a viagem do Gama, mas sim que, tal como Faria o convencera com os seus comentários, Camões tivera, espiritualmente, no seu mesmo poema, ambições muito mais altas que a mera celebração patriótica. (Sena, 1980a: 226)

Há, em suma, “ambições muito mais altas que a mera celebração patriótica”, e delas Camões se terá alimentado. O exílio deu a Jorge de Sena e Faria e Sousa um tipo de estrangeiridade definitiva. O fora, enquanto lhes roubava a pacificação do solo pátrio e lhes complicava o sonho do retorno,[6] franqueou-lhes a experiência de um sentimento do mundo. Por essas e outras é que Sena escreveu: “Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria/ de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações/ nasci”, torcendo Bernardo Soares num investimento na língua e no acaso. Faria, segundo Sena, era capaz de “profundamente entender Camões, que representara a dramaticidade da derrocada do sonho renascentista de liberdade e de dignidade individual da pessoa humana” (Sena, 1980a: 248). Com isso, o crítico do século XX entende no do XVII uma sensibilidade muito fina para além do barroco, e, sobretudo, para além de um projeto que fosse celebratório, ou mesmo melancólico, da mera nacionalidade.

Agora, sim, ao número, mas só um bocadinho – faço a ressalva porque será uma visita muito breve e modesta perto da obsessão de Jorge de Sena com conta e contagens para ler Camões, especialmente n’A estrutura d’Os Lusíadas. O nobre leitor entende mesmo que há uma aritmosofia a “reger o poema (relevante que sempre foi na estética das proporções geométricas)” (Sena,1980b: 171). A continuação da frase recém-citada é investimento de Sena no Número de Ouro, de que outros leitores de Camões, como Vasco Graça Moura, também lançaram mão. Aos críticos que entendem que esse mergulho aritmosófico se situa entre o exagero e a invenção, Sena poderia dizer: pelo contrário, disparate é supor que um poema escrito no século XVI, de janelas abertas a místicas heterodoxas, ainda mais porque elaborado por um inquieto neoplatônico, não tenha investido numa relação misteriosa com os números – aliás, a aritmosofia possui, junto a outras práticas de decifração, grande familiaridade com uma prática de mover a linguagem que é típica do Comentário.[7] Jorge de Sena poderia ir ainda mais longe e acusar o seu tempo (e também o nosso, acrescento) de desencantado e arrogante, pois quer obrigar outros à mesma parca secularidade que o enforma. Um leitor como Sena, e leitoras como Fiama Hasse Pais Brandão e Yvette Centeno, poderão acusar de perneta um instrumental histórico de que nos sirvamos para ler Os Lusíadas se ele deixar de contemplar o mais ou menos esotérico, que, aliás, também faz parte da História.[8

Mas realmente não pretendo sequer começar a pensar nisto, apenas pavimentar o brevíssimo sendeiro em que passearei. Aproveito essa minha estada com o Sena que leu Faria e Sousa lendo Camões para revisitar uma antiga obsessão minha n’Os Lusíadas. Sena tem uma paixão não inconfessa pela Cabala, não tanto num sentido estrito, mas pelo coração que um olhar cabalístico exige. Ainda no começo do texto sobre Faria, Sena se refere a um número, relativo ao ano do lançamento da edição da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1972, que chama sua atenção:

O próprio Camões e mesmo Faria e Sousa ambos sorririam, pensando que este 4º centenário suscita esta sensacional “reedição”, que o gigantismo da obra sempre contraria, exactamente 333 anos depois de publicada… O cabalista neles veria aqui um claro sinal de que esse centenário significa, ou deve significar, acima de tudo, uma ressurreição de um poema tão maior e tão mais ambicioso que a celebração das glórias lusitanas, seu pretexto, por ele ser a celebração, através delas, da vitória da virtù sobre as contingências, e de como com tal virtù se reconquista, mais que a imortalidade histórica, o paraíso perdido. (Sena, 1980a: 171)

Se o sinal é claro, os cabalistas que moram naqueles que Sena homenageia não são mais cabalistas que ele próprio. No quarto centenário da publicação d’Os Lusíadas, Sena observa que se passaram 333 anos, número divino, da publicação do Comentário de Faria e Sousa. O poema, como sabemos, Sena o entende como maior que as glórias de um país, pois o que está em celebração é a virtù, algo inerente ao humano, não a Portugal apenas. Nesse sentido, vale a pena salientar o que Sena pensa do método de Faria e Sousa:

Às vezes, poderá parecer que, ao aplicar a Os Lusíadas os métodos de exegese que se usavam para todos os textos sagrados, ele está a ser ingénuo ou a tomar-nos por tolos. Mas sucede que, para Faria e Sousa, Os Lusíadas eram duplamente “sacros”, ou mesmo triplamente: por serem uma afirmação portuguesa no mais alto nível da criação poética, por serem uma criação poética do mais alto nível, e por ele adivinhar no autor e na obra a firme intenção estrutural de colocar a liberdade da criação poética no plano do “sagrado”, isto é, no plano do que significa e revela das correlações terríficas entre a história e o estar-se nesse mundo. (Sena, 1980a: 200, 201)[9]

A definição de sagrado por Sena é notável: nesse plano está o que “significa e revela das correlações terríficas entre a história e o estar-se nesse mundo”. É bastante distinta, por exemplo, do que Giorgio Agamben escreveria algumas décadas depois, entendendo sagrado como segregado, afastado. De acordo com o que Sena vê em Faria e Sousa, a sacralidade d’Os Lusíadas se encontra na sua natureza de poesia “do mais alto nível”, e isso, penso, não tem a ver apenas com uma noção comparativa de qualidade, mas com uma potência que, medievalmente falando, a poesia aciona mais que qualquer outra expressão: a capacidade de trovar, posto que o “trovador verdadeiro (…) é ‘encontrador’ (trouvère), ou seja, ‘descobridor’ (trouveur) da língua (…). A poesia faz entrar na lógica da relação, da ligação, que é um ato ao mesmo tempo linguístico, poético, amoroso, político e nobre” (Ottaviani, 2013: 156), como escreve Didier Ottaviani.

E sagrado, pois apenas a trova encontra um modo de a língua produzir o estar-se nesse mundo justamente por encontrar a língua mais profunda. Nesse sentido, a Idade Média não está tão distante assim de teorias que só no século XX foram engendradas. Ocorre-me um amplo espectro de ideias, de Jakobson a Barthes, de Kristeva a Paz, em cuja tangência está a irredutibilidade da poesia. É aí que reside a sagração num poema como Os Lusíadas, que só pode ser comentada pela adoção de uma exegese que entenda o poema como um texto sacro. Por isso, o problema da poesia é a reconquista do paraíso perdido, como salientou Sena, nada menos.

O texto de Ottaviani, a propósito, é sobre Dante. Sena investe na relação entre Camões e o amador de Beatrice, indicando, inclusive, que em 1572 se celebrava o primeiro centenário da tardia editio princeps umbrada obra-prima dantiana. Afastando-me um bocadinho de Faria e Sousa, noto que Sena, n’A estrutura d’Os Lusíadas, realiza uma matemática que não sou capaz sequer de descrever, quanto menos de imitar, para chegar a um dividendo que resulte 666 (Sena, 1980b: 87). Já eu me contento em, contando as estrofes do poema, chegar à 666,[10] a primeira do Canto VII, como muitas leituras, a de Sena inclusive, pioneiramente já observaram. Não no prefácio ao Comento de Faria e Sousa, mas num ensaio intitulado “Aspectos do pensamento de Camões através da estrutura linguística de Os Lusíadas”, também de 1972, Sena aponta a recém-citada coincidência da vinda à luz do épico camoniano com o primeiro aniversário da publicação da Divina Comédia. Gostaria de ressaltar uma passagem, na qual o demônio aparece, que me atrai:

Já foi dito que o principal personagem do que, segundo parece, pretendeu ser ao mesmo tempo contrapartida da ascensão da Divina Comédia, como da epifania histórica de Os Lusíadas – ou seja o Paradise Lost – é o próprio Milton, mais do que Adão e Eva, mais do que aquele Demónio a cujo partido, no dizer irónico de outro poeta irmão destes visionários, William Blake, Milton pertencia sem o saber. E quiçá a chave de muitos mistérios estruturais de Os Lusíadas resida em que, na epopeia, seja o próprio escritor a principal personagem (…). Apenas uma reserva terá de ser posta, e é decisiva: nem (…) é Camões do partido do Demónio sem que o saiba, nem Inferno no sentido das crenças tradicionais existe no poema, nem o Demónio reina nele (…). Para ele existe, sim, o Mal, mas um mal que reside em nós como indivíduos esquecidos do que devemos à nossa dignidade, para connosco e para com os outros. O Demónio existe em Os Lusíadas, mas é aquele espírito maligno que menos nos tenta com o pecado, do que nos apavora com a adivinhação do futuro ou com o reconhecimento do que, de futuro inexorável, possa existir em nós, como indivíduos ou como membros de uma colectividade que se esqueça do que deve ao seu próprio destino. (Sena, 1980a: 276, 277)

O pensamento espiralar de Jorge de Sena ajuda o meu próprio a se dirigir a muitos lugares. Este ensaio tem de começar a começar a se concluir, portanto passo apenas a tocar a fronteira de problemas que me interessam muito. Roberto Esposito nos lembra que a palavra comunidade deriva do latim munus, que significa lei, mas também oferta. Para se pertencer a uma comunidade, ao indivíduo era exigido que fizesse uma oferta, exceto nos casos de quem tivesse imunidade, palavra que também parte de munus. Penso nisso porque Sena escreve “coletividade” e, logo depois, pensa em dever, ou num esquecimento do dever que, para ele, é demoníaco, ou seja, é um dos avatares do que Camões entendia como o mal. A referência ao Paradise Lost de Milton aponta que, tanto no poema inglês como no português, a personagem principal é o poeta, sendo aquele simpático ao demônio e este, não. E Sena aqui liga o Demônio n’Os Lusíadas ao mal que fere a comunidade.

Munus, num contexto demoníaco, me lembra duas estrofes muito importantes do Canto IV do poema: a 74, na qual tem continuidade a fala de um dos personagens do sonho premonitório de D. Manuel, e a 75, que é o salto para a vigília:

“(…)

Eu sou o ilustre Ganges, que na terra
celeste tenho o berço verdadeiro;
Estoutro é o Indo, Rei, que, nesta serra
Que vês, seu nacimento tem primeiro.
Custar-te-emos, contudo, dura guerra;
Mas insistindo tu, por derradeiro,
Com não vistas vitorias, sem receio
A quantas gentes vês porás o freio.”

Não disse mais o Rio ilustre e santo,
Mas ambos desparecem num momento.
Acorda Emanuel cum novo espanto
E grande alteração de pensamento.
Estendeu nisto Febo o claro manto
Pelo escuro Hemisperio sonolento;
Veio a manhã no céu pintando as cores
De pudibunda rosa e roxas flores.

(IV, 74,75)

Os versos finais da 73, os que guardam a rima entre sétimo e oitavo versos, são: “Te avisamos que é tempo que já mandes/ A receber de nós tributos grandes” (III, 73, 7-8). A 75 do IV é a 666 do poema se a contagem for de trás para frente, bem ao modo diabólico, e esta conclui um sonho que começa na 68. Não obstante, é na 66 que Manuel, o sonhador, é apresentado, e ela indica que ele “Tomou mais a conquista do mar largo” (IV, 66, 8). Isso me permite localizar um terreno diabólico no Canto IV, exatamente entre a 66 e a 75, que é a 666 ao contrário – esse terreno se torna mais duro a partir da 73, quando ao rei fala o Ganges. Preciso citar a 666, a primeira do VII, para poder dar meu singelo avanço:

Já se viam chegados junto à terra,
Que desejada já de tantos fora,
Que entre as correntes Índicas se encerra
E o Ganges, que no Céu terreno mora.
Ora sus, gente forte, que na guerra
Quereis levar a palma vencedora:
Já sois chegados, já tendes diante
A terra de riquezas abundante. (VII, 1)

Vejo munus nos “tributos grandes”, mas, também, algo distinto disso: é que o pagamento permite a quem paga pertencer a uma comunidade, mas que comunidade é esta? Quem fala, claro, não é o Ganges, mas uma versão do Ganges num sonho de um rei ocidental no começo do processo de colonização. Que munus é esse que se impõe a quem não se propôs a pagá-lo? Penso isso porque o desejo pela própria submissão só pode ser a projeção de Oriente que se anuncia num sonho ocidental.

Não julgo descabido entender que, em algum nível, a viagem se dá justo entre as duas 666: a primeira delas vê o rei se mover do sonho para a ação – o projeto, a quimera; a segunda, a chegada à Índia: o fim do trajeto. O sonho é mercantil e expansionista, mas Indo e Ganges não, são sagrados, assim como Os Lusíadas, nas perspetivas de Faria e Sousa e de Sena. A presença do sagrado em contexto imperialista cria um choque, e é justamente isto o que me parece possuir uma legibilidade demoníaca nessas estrofes, ou séries de estrofes – as estâncias seguintes do Canto VII são um chamado à Igreja Católica a assumir seu papel no mundo, e o demais da primeira louva coragem e guerra. Não avanço nesse aspeto aqui, apenas o indico para citar de novo “a cristologia messiânica de Camões, extremamente heterodoxa”, “contra a reafirmação da autoridade da Igreja, qualquer igreja, como o único veículo para realizações messiânicas” – ou seja, como entender o começo do VII pensando no poeta como amador de um Cristo desinstitucionalizado?

De novo: “nem, segundo as tessituras linguísticas da epopeia portuguesa, é Camões do partido do Demónio sem que o saiba, nem Inferno no sentido das crenças tradicionais existe no poema, nem o Demónio reina nele”. Onde então o Demônio se situa, onde suas andanças?[11] Volto a voltar a Sena: para Faria e Sousa, segundo seu respeitoso leitor, Os Lusíadas são sacros porque põem “a liberdade da criação poética no plano do ‘sagrado’, isto é, no plano do que significa e revela das correlações terríficas entre a história e o estar-se nesse mundo”. Já indiquei a leitura que Giorgio Agamben fez do sagrado; agora, paro nela por um átimo:

(…) o jogo libera e desvia a humanidade da esfera do sagrado, mas sem a abolir simplesmente. O uso a que o sagrado é devolvido é um uso especial, que não coincide com o consumo utilitarista. (…) As crianças, que brincam com qualquer bugiganga que lhes caia nas mãos, transformam em brinquedo também o que pertence à esfera da economia, da guerra, do direito e das outras atividades que estamos acostumados a considerar sérias. (Agamben, 2007: 67)

Sagrado, para o Sena que leu Faria e Sousa, tem a ver com estar no mundo, com História. Entendo que os dois terrenos 666 d’Os Lusíadas que indiquei (há outros) guardam uma profanação de tipo não lúdico, não infantil, mas uma perversão do sagrado, um uso, para falar com Agamben, utilitarista, mercantil, bélico – evidência disso é os “tributos grandes” serem privilégio de uma não comunidade, o que, por sua vez, dana o munus. Se escrevi páginas acima que há uma dissidência entre Sena e Agamben acerca de sagração e profanação, noto agora uma legibilidade consoante: o que garante o sagrado na perspectiva histórica de Camões é justamente uma dinâmica de jogo, posto que a própria arquitetura do poema, tão sacra, é uma organização cheia de ludo.

Os deuses no poema já são pagãos, e só o são porque existia, naquele tempo, uma religiosidade, não obstante as portas que muitas mentes inquietas (se) abriram à heterodoxia, dominante, inescapável. Mas da impotência deles julgo que surge uma potência nova, ainda impotente, mas estruturante para se construir a “liberdade da criação poética”: a potência da linguagem, do nome. Isso, a que se pode chamar de fingimento,[12] não se distancia tanto da ideia de jogo, que penso agora n’Os Lusíadas em plena articulação com o sagrado. Tendo já de terminar o texto, fico tentado a seguir tentando tatear o que se joga entre os dois terrenos 666 do poema. Além disso, gostaria de me dar a uma aventura nova, que procure em Baco – e Baco é e não é demoníaco ou diabólico no épico camoniano –, visitando avidamente Eurípedes, uma encruzilhada entre sagrado, jogo + arte e dilaceramento. Jogo-me a mensagem na garrafa para uma praia mais ou menos próxima no tempo.

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SENA, Jorge de (1980b) – A estrutura de “Os Lusíadas” e outros estudos camonianos e de poesia peninsular do século XVI. Lisboa: Edições 70.

SILVA, Vítor Aguiar e (2009) – Jorge de Sena e Camões: trinta anos de amor e melancolia. Coimbra: Angelus Novus.


1 “(…) tenhamos presente que o papel que Faria assumiu ao preparar a edição das Rimas, se era defender Camões dos ataques malignos (como fizera nos comentários a Os Lusíadas), era também deixar à posteridade, em letra impressa, o máximo ‘corpus’, ainda que duvidoso, que lhe fosse acessível coligir.” (Sena, 1980a: 260)

2 Em texto sobre o Cancioneiro de Manuel de Faria, Sena, talvez para engordar seu argumento de que este compilador é Faria e Sousa, não obstante a falta do último nome na identificação do homem por trás do trabalho, insiste na presença maciça ali de portugueses, não obstante a maioria dos poemas ser em castelhano. Isso o ajuda a defender a lusofilia de Faria e Sousa, e essa lusofilia, por sua vez, também o ajuda a argumentar que o manuscrito do século XVII pode mesmo ter sido preparado pelo mais prolífico comentador de Camões.

3 Vítor Aguiar e Silva, num livro que revisa precisamente a relação entre Jorge de Sena e Camões, não mede palavras: “Na sua ânsia de forçar as cidadelas da camonologia, no seu veemente desejo de ser reconhecido e admirado como legítima autoridade dos estudos camonianos, no seu ácido ressentimento, Jorge de Sena foi muitas vezes deselegante e injusto em relação aos camonistas portugueses seus contemporâneos” (Aguiar e Silva, 2009: 20), especialmente antes de se consagrar nesse universo. O texto de 1972 já é de um Sena mais que reconhecido, portanto menos atacante, mas ainda pelejador.

4 Jorge de Sena, escrevendo sobre “Maneirismo e barroco na poesia portuguesa”, entende que o primeiro se conclui em 1620, e o segundo, começando naquele ano, vige até 1750 – ou seja, Sena, no que não deixa de ser uma provocação vinda de um amante de Camões, não reconhece a existência de algo na cultura portuguesa que possa atender pelo nome de Neoclassicismo. No entendimento de Sena, o barroco de Faria e Sousa esteve bem perto da época maneirista porque, além de proximidade temporal, sabe-se que Faria debruça-se sobre Camões desde os anos de 1620, limite que o autor de Metamorfoses propõe para a vigência do Maneirismo.

5 Vítor Aguiar e Silva, lendo o Sena que leu Camões, ressalta: “o ‘marxismo indefetível’ de que Sena se reclamava (…) não tem em boa verdade relevância, nem sequer expressão, na sua conceptualização e na sua argumentação” (Aguiar e Silva, 2009: 108) no campo da camonologia, sobretudo porque, vindo da alta política, poderia derivar num proselitismo perigoso.

6 O sonho do retorno é justo o que acalenta a viagem do Vasco da Gama, expresso na famosíssima estância 21 do Canto III:

Esta é a ditosa pátria minha amada,
À qual se o Céu me dá, que eu sem perigo
Torne, com esta empresa já acabada,
Acabe-se esta luz ali comigo.
Esta foi Lusitânia, derivada
De Luso ou Lisa, que de Baco antigo
Filhos foram, parece, ou companheiros,
E nela antam os íncolas primeiros. (Lus, III, 21)

Faria e Sousa e Sena não conseguiram ver a última luz na terra que Vasco da Gama identifica diretamente a uma herança báquica.

7 Não à toa Sena cita uma frase importante de Faria e Sousa no que toca à dedicação de Camões ao cálculo: “nuestro Poeta en todo anduvo con la medida en la mano” (apud Sena, 1980a: 196).

8 À guisa de exemplo, cito a não solenidade com que Fiama ressalta a relação d’Os Lusíadas com a Cabala, tópico, ela virá a ressaltar, observado pioneiramente por Jorge de Sena: “(…) considero que a estrutura dos dez cantos de Os Lusíadas está moldada, a par e passo (…) nos dez Sefirot da Cabala e, por razões várias, que essa Cabala é de inserção judaica” (Brandão, 2007: 103).

9 Pode-se, nesse aspeto, avançar na relação entre poesia e conhecimento para Camões, muito bem expressa por Maria Vitalina Leal de Matos: “(…) o poeta cria, à imagem da criação divina, e cria a partir duma ideia – conceito, invenção ou descoberta que comportam, como é evidente, um fortíssimo conteúdo gnoseológico. A poesia torna-se dependente da ideação, da descoberta; e, inversamente, ela torna-se forma privilegiada de aceder ao conhecimento.” (Matos, 2011: 196)

10 Só para enfatizar: 666 é o número da Besta porque é 333 (o resultado da subtração que faria Faria e Camões sorrirem) em dobro.

11 Não posso deixar de ressaltar que Jorge de Sena possui, como John Milton, inocultada Sympathy for the Devil. A ficção é o espaço de sua obra em que isso fica mais clarividente (não obstante exemplos como o volume de poesia Exorcismos, de 1972): saltam aos olhos os títulos das recolhas senianas de contos Andanças do Demónio, de 1960, e Novas andanças do Demónio, de 1966. Ambos os livros saíram antes da canção dos Stones, diga-se de passagem.

12 Tenho em mente, é quase óbvio, os versos da estrofe 82 do Canto X: “Aqui, só verdadeiros, gloriosos / Divos estão, porque eu, Saturno e Jano,/ Júpiter, Juno, fomos fabulosos,/ Fingidos de mortal e cego engano.” (X, 82, 1-4)