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Jorge de Sena e o cinema

Jorge de Sena amava o cinema, e exercitava esse amor não apenas vendo filmes em salas comerciais e cineclubes, mas também escrevendo sobre eles. Esses comentários estão reunidos em um volume: Sobre Cinema (Lisboa: Cinemateca Portuguesa, 1988), com organização e introdução de Mécia de Sena e co-organização e notas de M.S. Fonseca. Foram textos escritos entre 1946 e 1966, em maioria destinados a serem lidos, precedendo as exibições de filmes promovidas pelo Jardim Universitário de Belas Artes (JUBA), em Lisboa. Vários, obrigados a previamente serem submetidos à Censura, receberam cortes. Ao lado deles há um número menor de outros, escritos para publicação. Além disso, quer na obra publicada, quer no espólio do autor ainda em Santa Bárbara, é possível rastrear um conjunto não apenas de comentários sobre filmes, mas de textos literários de Jorge de Sena, de natureza vária, onde se nota a presença do cinema. São textos que permitem ver qual o conceito de Sena sobre cinema, qual o tipo de cinema que ele prestigiou, que instrumentos teóricos mobilizou para penetrar nas obras cinematográficas. Na obra citada acima, M. S. Fonseca fala em padrões críticos com que Jorge de Sena se aproxima do universo visual e sonoro que os filmes são (p.10). E adiante aponta para uma exigente trama teórica, que se soma a uma análise formal dos filmes pontuada por notações que cruzam o cinema e sua história com a história da literatura, do teatro e outras artes, sem que nunca o Autor se exima a definir a perspectiva ético-política a que a visão e a discussão de cada filme possa implicar (p.10-11). E propõe ao leitor a concepção de cinema que Jorge de Sena assume: uma forma de expressão artística tão “sui-generis” que pode oscilar entre a síntese de todas as artes e a substituição ou superação dessas mesmas artes pela representação direta da realidade. Nessa linha de visão, Jorge de Sena acerca-se do cinema considerando que é de sua natureza tanto estilhaçar a realidade para obter matéria prima, como apresentar de maneira apenas direta a realidade. Diante de um filme em particular Jorge de Sena não o isola para análise, mas o associa, seja a grandes universos de referência, seja a aspectos menores, que um olhar menos avisado poderia tomar como irrelevante ou mesmo impertinente. Na verdade, o referencial de Jorge de Sena vai além do cinema e de sua história, como vai além da literatura, do teatro, das artes em geral e de suas histórias. O referencial de Jorge de Sena é simplesmente a própria vida.

 

Filmes comentados por Jorge de Sena:

• Charlot Hoje e Sempre (sobre vários filmes de C. Chaplin)
• A Bela e o Monstro (La Belle et la Bête, de Jean Cocteau – 2 comentários)
• Almas Perversas (Scarlet Street, de Fritz Lang)
• Os Trovadores Malditos (Les Visiteurs du Soir, de Marcel Carné)
• Salvo da Morte (Angels over Broadway, de Ben Hecht e Lee Garmes)
• A Bandeira (La Bandera, de Julien Duvivier)
• O Silêncio é de Ouro de René Clair e também sobre o poeta Carlos Queiroz (Le Silence est d'or, de René Clair)
• A Arte de Viver (Quartet, de Ralph Smart e outros)
• Breve Encontro (Brief Encounter, de David Lean)
• Os Mistérios da Vida (Flesh and Fantasy, de Julien Duvivier)
• Matou (M!, de Fritz Lang)
• Milagre de Milão (Miracolo a Milano, de Vittorio de Sica)
• Rio Sagrado (The River, de Jean Renoir)
• Maria Walewska (Conquest, de Clarence Brown)
• A Dama de Espadas (Queen of Spades, de Thorold Dickinson)
• Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, de Billy Wilder)
• Algumas notas sobre Macbeth, a propósito de Orson Welles
• Otelo (Othelo, de Orson Welles)
• A Passageira (Pasazerka, de Andrzej Munk)

 

Bibliografia:
=> Emmanoel Santos, “Jorge de Sena e o cinema”. In: Gilda Santos, org., “Evocação de Jorge de Sena”, dossier do Boletim do SEPESP nº 6, Rio de Janeiro, UFRJ, 1995, p. 145-154
=> Emmanoel Santos, “Jorge de Sena: textos sobre cinema”, In: Gilda Santos, org., Jorge de Sena em rotas entrecruzadas, Lisboa, Cosmos, 1999, p. 69-76
=> Mike Harland, Jorge de Sena on Cinema: some further insights into the genesis of O Fisico Prodigioso? Portuguese Studies, Londres, v.20, nº 1, p. 169-185, Set. 2004