De George Monteiro

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Já aqui, reproduzimos a crônica “Em Providence, com os minotauros“, de Onésimo Teotónio Almeida, em que é mencionada uma fotografia do que teria sido o último encontro entre Jorge de Sena e João Gaspar Simões. Publicado o texto e a dita foto, recebemos uma mensagem e uma surpresa: um poema inédito, escrito há alguns anos por George Monteiro, inspirado pela mesma imagem. Originalmente em inglês (apesar do título), apresentamos aqui o poema, gentilmente cedido por seu autor, acompanhado de tradução por ele autorizada. 

 

GM

 

As Aparências Não Iludem

To me he will never be entirely the robust figure
that shows forth in the photographs, for on the one
occasion when I was with him over two or three days,
he was slim and dry, bony and wrung-out, talking about

Pessoa as the predictive avatar of the concocted courier
the British salted in the sea off Spain to mislead the Nazis.
This emaciated, old-before-his-time poet, already sick
with the sickness that would in less than a year put him

in his grave, is the one who (to me) wrote all the poems,
all the stories, the criticism, and (my God!) all the letters.
The man in his last year—gaunt, hollow-cheeked, wearing
the tam that had by then become a bit too-big-for-him—is

to me the one who dated his manuscripts and drafts (but of
course there were no drafts). Here was the essential man,
parboiled and, more, still simmering. See him in the photo
with Gaspar Simões, generals talking war and rumors of war.

Windham, CT August 19, 2010

 

Para mim ele jamais será a figura robusta
que demonstra nas fotografias, pois na única
ocasião em que estive com ele por dois ou três dias,
era magro e seco, ossudo e torcido, falando de

Pessoa como o profético avatar do mensageiro inventado com que
os ingleses salgaram o mar da Espanha para enganar os nazistas.
Este poeta emaciado, velho-antes-da-hora, já doente
com aquilo que o levaria em menos de um ano

ao túmulo, é aquele que (para mim) escreveu todos os poemas,
todos os contos, a crítica, e (meu Deus!) todas as cartas.
O homem em seu último ano – esquálido, de rosto encovado,
vestindo a boina já então um tanto grande demais para ele – é

para mim aquele que datou seus manuscritos e rascunhos (mas,
é claro, não havia rascunhos). Aí estava o homem essencial,
escaldado e, mais, ainda fervendo. Vê-lo numa foto
com Gaspar Simões, generais discutindo a guerra, os rumores da guerra.

(Trad. Luciana Salles)