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Jorge de Sena e Fernando Pessoa, por José Blanco

  • Categoria do post:Ensaio

Os ensaios e artigos que Jorge de Sena escreveu sobre Fernando Pessoa entre 1940 e 1978, que a seguir se transcrevem, estão repertoriados na minha Pessoana. Bibliografia passiva, selectiva e temática (Assírio & Alvim, 2008). Os textos marcados com asterisco encontram-se reunidos in Fernando Pessoa & Cª. Heterónima (Estudos Coligidos 1940-1978) Lisboa: Edições 70, 1982, 2 vols; 2ª. edição, 1983; 3ª, edição num volume, 2000):

 
 
1. [Carta à Direcção da “Presença”]. In Presença., XII, Série II, 2, 2/1940, pp. 138-139. *
Carta datada de 8 Janeiro 1940 e publicada sob o pseudónimo Teles de Abreu. O poema “Apostila”, de Álvaro de Campos, publicado pela “Presença” como inédito, não o era: tinha sido publicado no “Notícias Ilustrado” de 27 de Maio de 1928, com algumas variantes, que se comentam.

2. “Carta ao Poeta”. In O Primeiro de Janeiro, 9/8/1944. [Rep. sob o título “Carta a Fernando Pessoa”, in DA POESIA PORTUGUESA. Lisboa: Ática, 1959, pp. 165-169; em tradução castelhana de Ángel Campos Pámpano, sob o título “Carta a Fernando Pessoa”, in ABC, Madrid, 30 de Novembro de 1985] *
A tendência de FP para a despersonalização, com a criação de poetas e escritores heterónimos, significa uma desesperada defesa contra o vácuo que ele sentia sem si próprio e à sua volta. FP não foi um mistificador, nem foi contraditório: foi complexo; não foi tão-pouco um poeta do Nada mas, pelo contrário, um poeta do excessivamente tudo, do excessivamente virtual.

3. “Prefácio” e “Notas”. In FERNANDO PESSOA. PÁGINAS DE DOUTRINA ESTÉTICA. Selecção, Prefácio e Notas de (…). Lisboa: Editorial Inquérito, 1946, pp. 7-16 e 303-365. [2ª. reimpr., não autorizada, s.d. (1964] *
Reúnem-se escritos de FP em prosa, que dão uma imagem do que foi, no campo da especulação e da acção, o seu enorme labor intelectual, servido por um estilo multímodo e inconfundível, cuja “encenação” é levada até à ortografia. Na sua generalidade, os textos aqui coligidos, se algum defeito têm é a excessiva clareza lógica de um raciocínio implacável, sempre a dois passos do esquematismo. Há em FP uma ironia latente (e muitas vezes ostensiva) que permite erros de interpretação e avaliação: ele desejava, certamente, a salutar descida ao subconsciente nacional da maior parte dos seus escritos. A propósito da “Nota ao acaso”, de Álvaro de Campos, sublinha-se que toda a obra de FP, poética ou não, patenteia que o “problema gnoseológico do conhecimento” foi problema fundamental de FP: toda essa obra coloca, em primeiro plano, a questão da sinceridade, mas da sinceridade metafísica (e não a sinceridade ética).

4. “Sobre um artigo esquecido de Fernando Pessoa”. In Mundo Literário, 19/10/1946, pp. 7-8. [Ensaio parcialmente integrado no Prefácio e numa Nota in FERNANDO PESSOA. PÁGINAS DE DOUTRINA ESTÉTICA] *
O texto de FP “À memória de António Nobre”, inspirado na pura tradição do ensaísmo inglês, é escrito numa prosa absolutamente poética, sem a abstracção lógica, tão implacável como irónica, dos seus artigos. Nele perpassa uma profunda melancolia.

5. “Fernando Pessoa e a literatura inglesa”. In O Comércio do Porto, Supl. “Cultura e Arte”, 11/8/1953. [Acompanhado da trad. dos “Sonnets” XV (por Jorge de Sena), XXVIII (por Adolfo Casais Monteiro) e XXXV (por Jorge de Sena e Adolfo Casais Monteiro. Rep. in ESTRADA LARGA. Porto: Porto Editora, s.d. (1958), I, pp. 192-197] *
O problema das relações de FP com o Inglês e indirectamente com a cultura britânica é da maior importância, na medida em que ajuda a explicar a formação intelectual e artística em que, como grande poeta português, sempre se comprazeu: a cultura britânica, adquirida em Durban, deu-lhe a possibilidade de usar a língua portuguesa com uma virgindade de quem a contempla pela primeira vez. Os “35 Sonnets” sintetizam o neoplatonismo integral que é subjacente ao pensamento profundo de FP, devendo muito à doutrinação de Walter Pater. “Antinous” e “Epithalamium” são dos mais belos poemas raiando a obscenidade que jamais escreveu um poeta português.

6. “Maugham, Mestre Therion e Fernando Pessoa”. In Diário de Notícias., 3/21/1957. *
A figura de Aleister Crowley, cuja personalidade se descreve através de citações do romance de Sommerset Maugham “The Magician”, é interessante para a “petite histoire” de FP.

7. “‘Inscriptions’ de Fernando Pessoa. Algumas notas para a sua compreensão”. In O Comércio do Porto, Supl. “Cultura e Arte”, 9/9/1958. [Com a tradução do Epitáfio II. Texto utilizado, em grande parte, in “O heterónimo Fernando Pessoa e os Poemas Ingleses que publicou” . Rep. in ESTRADA LARGA. Porto: Porto Editora, s.d. (1958), I, pp. 187-191] *
Descontado um certo requinte indispensável à simplicidade e concisão lapidares (também utilizadas em poemas da “Mensagem”) e inerente ao estilo alusivo que é o das literaturas da antiguidade, as “Inscriptions” de FP são de uma sóbria e correcta singeleza, longe da complexidade conceptual dos “35 Sonnets”. É errado dizer-se que Ricardo Reis é o heterónimo mais afim destes poemas em Inglês.

8. “Fernando Pessoa, indisciplinador de almas. (Uma introdução à sua obra em prosa)”. In DA POESIA PORTUGUESA. Lisboa: Ática, 1959, pp. 171-192. [Conferência proferida em 12 de Dezembro 1946 no Ateneu Comercial do Porto.] *
A obra de FP que, embora variada, é extremamente una, caracteriza-se pela preocupação nacional, a irreverência propositada, a consciência do próprio valor, a qualidade luciferina do seu espírito e a inexcedível perfeição da sua linguagem. De certo modo um pós-simbolista e cujo génio integra as tendências europeias do seu tempo, FP dedicou a vida inteira à subversão, em si mesmo, nos seus amigos, nos seus contemporâneos e na posteridade (sobretudo nesta): é um dos maiores mestres de liberdade e de tolerância que jamais houve.

9. “ORPHEU”. In DA POESIA PORTUGUESA. Lisboa: Ática, 1959, pp. 145-163. [Palestra lida em 25 Novembro 1954 no Restaurante Irmãos Unidos, em Lisboa, por ocasião do descerramento do retrato de FP por Almada Negreiros] *
Descrevem-se e comentam-se as personalidades do grupo do “Orpheu” que significa, acima de tudo, uma crise, magistralmente superada em FP, que a viveu através da criação dos heterónimos. Nestes realiza FP a objectivação da expressão poética e, ao mesmo tempo, procura a dissolução da personalidade corrente e indivisível das estruturas psicológicas clássicas da sociedade tradicional

10. “Cartas de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa”. In O Estado de S. Paulo, 19/3/1960, pp. 1. [Rep. in O POETA É UM FINGIDOR. Lisboa: Ática, 1961, pp. 61-77] *
Ninguém como FP compreendeu Mário de Sá-Carneiro, porque se estava compreendendo a si próprio na pessoa do outro, cuja intimidade de espírito e cujas declarações escritas são sinal de uma identidade de contrários, sublimada pelo suicídio de Sá-Carneiro.

11. “Vinte e cinco anos de Fernando Pessoa”. In O Estado de S. Paulo, 3/12/1960. [Rep. in O POETA É UM FINGIDOR. Lisboa: Ática, 1961, pp. 79-95] *
Relato do relacionamento da Tia-Avó de Jorge de Sena com FP, na Rua Coelho de Rocha e recordações pessoais: Sena lembra-se, adolescente, de FP como um “senhor suavemente simpático, muito bem vestido, que escondia no beiço de cima o riso discretamente casquinado”, com um ar de estrangeiro, distante no tempo e no espaço”. A publicação da “Obra Poética” (Aguilar), marca uma data nos estudos “fernandinos” : Maria Aliete Galhoz vem tomar um lugar proeminente entre “os donos encartados” de FP.

12. “O poeta é um fingidor (Nietzsche, Pessoa e outras coisas mais)”. In O POETA É UM FINGIDOR. Lisboa: Ática, 1961, pp. 21-60. [Comun. ao IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, Salvador, 1959.] *
Verifica-se, coteja-se e explora-se o nexo entre o pensamento de FP e o de Nietzsche, aspecto decisivo para a interpretação do Poeta: para Nietzsche, o poeta, para dizer a verdade, precisa de, em consciência e vontade, ser capaz de mentir. Esta capacidade de mentir não significará o “criar ficções”, nem o pura e simplesmente “fingir” que os detractores de FP leram no primeiro verso de “Autopsicografia”, antes se refere especificamente à ordem do conhecimento ou, mais exactamente, à ordem da “expressão autêntica” de um conhecimento do mundo. Está por fazer o estudo sistemático do elemento erótico em toda a obra de FP.

13. “Pessoa e a Besta”. In O Estado de S. Paulo, 30/3/1963. [Rep. in O Comércio do Porto, 14 Janeiro 1964] *
A propósito da personalidade de Aleister Crowley, historiam-se as suas relações com FP, incluindo o “Caso da Boca do Inferno”. O capítulo das relações e convicções esotéricas de FP, embora fundamental, é ainda um dos menos compreendidos.

14. “21 dos ’35 Sonnets’ de Fernando Pessoa. Apresentação em português”. In Alfa, 10, Marília: Departamento de Letras, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília: 9/1966, pp. 7-24. [Texto parcialmente utilizado in “O heterónimo Fernando Pessoa e os Poemas Ingleses que publicou”] *
Apresentação e justificação da tradução para português de 21 dos “35 Sonnets” de FP, feita por Jorge de Sena (16), Adolfo Casais Monteiro (4) e José Blanc de Portugal (1). As traduções não são livres: são, talvez, a busca do compromisso possível entre a literalidade e a transposição poeticamente livre. Assim como a tradução literal não é a mais fiel, será um pecado fazer belas poesias com as poesias dos outros.

15. [Verbete sobre Fernando Pessoa]. In GREAT ENCYCLOPEDIA OF WORLD LITERATURE IN THE 20TH CENTURY III. Nova York, 1971. [Rep. Em trad. portuguesa in Jorge de Sena, AMOR E OUTROS VERBETES. Lisboa: Edições 70, 1992, pp. 227-231]
Como “caso”, FP seria um pasmo, se o não fosse pela excepcional qualidade da sua poesia: é um dos maiores poetas deste século em qualquer língua.

16. “Literatura Portuguesa (Europeia e do Brasil Colonial”. In ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA. 15ª. ed., 1974. [Rep. em trad. portuguesa in Jorge de Sena, AMOR E OUTROS VERBETES. Lisboa: Edições 70, 1992, pp. 253]
FP está a tornar-se internacionalmente conhecido como um dos grandes poetas do século.

17. “O heterónimo Fernando Pessoa e os poemas ingleses que publicou”. In POEMAS INGLESES PUBLICADOS POR FERNANDO PESSOA. Obras Completas de Fernando Pessoa XI. Edição bilingue com prefácio, traduções, variantes e notas de (…), e traduções também de Adolfo Casais Monteiro e José Blanc de Portugal. Lisboa: Ática, 1974, pp. 13-87. *
Apresentação e justificação da edição, incluindo os critérios seguidos na tradução para Português e a história completa da génese dos poemas. Os poemas em Inglês publicados por FP não são, à parte excelentes passos, da sua melhor poesia, mas são indubitavelmente da maior importância pelo que revelam do que ele menos revelou de si mesmo na sua poesia em Português e pelo que, por outro lado, mostram de uma fixação de temas e expressões suas, como de muitos jeitos sintácticos ou estilísticos da sua língua poética que, em português, se criou da tradução mental de construções correntes, ou menos correntes, que a língua inglesa possui e permite. Um tão completo processo de despersonalização lírica como é a heteronímia não poderia efectivar-se tão perfeitamente senão em alguém cuja dualidade linguística lhe desse a linguagem como um sistema de signos e relações destituído de outro valor que o de serem equivalentes de um sistema para o outro, como da conceptualização à verbalização.

18. “‘Sim, é o Estado Novo, e o povo’ – Um inédito de Fernando Pessoa apresentado por Jorge de Sena”. In Diário Popular, 30/5/1974. *
Apresentação do poema, que prova que FP, se não era “um modelo de ideais socialistas que não eram os seus”, era “anti-autoritário e adversário do antigo regime”.

19. “Um triplo poema de Fernando Pessoa sobre António de Oliveira Salazar apresentado e comentado por Jorge de Sena”. In Diário Popular, 5/30/1974 e 6/6/1974. *
Estes três poemas descobertos quinze anos antes, no espólio de FP, mostram que o Poeta não só mantinha as suas distâncias, como enveredava por uma atitude de franca resistência relativamente a Salazar e ao Estado Novo. Jorge de Sena esclarecem as condições em que os descobriu no espólio de FP e fez publicar em O Estado de S. Paulo.

20. “Os Poemas de Fernando Pessoa contra Salazar”. In O Comércio do Porto, 9/7/1974. *
A propósito da publicação por Joaquim de Montezuma de Carvalho em “O Comércio do Porto” (em 28 de Maio de 1984) do poema “António de Oliveira Salazar”, Jorge de Sena historia e esclarece a sua anterior publicação em “O Estado de São Paulo” e no “Diário Popular“.

21. “Amor”. In GRANDE DICIONÁRIO DE LITERATURA PORTUGUESA E DE TEORIA LITERÁRIA. Dirigido por João José Cochofel. Vol. I. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1977 . [Rep. In Jorge de Sena, AMOR E OUTROS VERBETES. Lisboa: Edições 70, 1992, pp. 60-63]
Ricardo Reis proclama polemicamente um erotismo livre das limitações cristãs tradicionais; Alberto Caeiro é um amoroso ainda mais tradicional e Álvaro de Campos é o mais erótico dos heterónimos. “Antinous” é a mais intensa afirmação de erotismo composta por um poeta português desde a poesia clandestina dos sécs. XVII e XVIII.

22. “Jorge de Sena rispondi a tre domande su Pessoa”. In Quaderni portoghesi, 1, Giardini Editori e Stampatori, Primavera 1977, pp. 137-158. [Entrevista conduzida e transcrita por Luciana Stegagno-Picchio em Abril de 1977] *
Interpretação dos poemas em Inglês – que não são grande poesia, mas em que há momentos de grande poesia – como chave para a compreensão do pensamento poético de FP e análise da questão da sinceridade do Poeta: o “fingimento” pessoano é uma “arte poética” que FP partilha com grande número dos seus pares modernistas de várias línguas e culturas: aliás, o verbo latino fingo, quando aplicado à criação poética, significava muito simplesmente, “compor”.

23. “Fernando Pessoa : O Homem que Nunca Foi”. In Persona 2, Porto, C.E.P., 7/1978, pp. 27-41. [Trad. portuguesa, pelo Autor, da comunicação original em inglês por ele apresentada no Simpósio Internacional sobre Fernando Pessoa, Brown University (Providence, E.U.A.), 8 Outubro; rep. do texto original sob o título “Fernando Pessoa. The Man Who Never Was”, in THE MAN WHO NEVER WAS. Essays on Fernando pessoa. Edited and with an introduction by George Monteiro, Providence, Rhode Island: Gávea-Brown, 1982, 19-31; rep. em trad. francesa in “Po&sie”, nº. 75, Paris, 1º. trimestre 1996, pp. 40-50] *
Tendo como “fonte de inspiração” as suas recordações de adolescente (FP era “um senhor, distinto e simpático”, que “falava ocasionalmente em inglês com a minha tia-avó, permutava com ela livros em inglês, objectos raríssimos e invulgares naquele tempo em Portugal, e fazia uso do telefone dela (outro objecto então tremendamente incomum em casas de família, nesse tempo”), Jorge de Sena analisa a vida e a obra “daquela pessoa real chamada Fernando Pessoa, que era realmente um fantasma, ou, se quisermos, um cabide para a multidão de seres inexistentes muito mais reais do que ele mesmo queria ser”. Ninguém, como ele, levou a despersonalização dos autores modernos a tão acabados extremos de conseguida e magnífica realização: os heterónimos são a mais mortalmente séria criação poética de todos os tempos.

24. “O ‘meu mestre Caeiro’ de Fernando Pessoa e outros mais”. In ACTAS DO I CONGRESSO INTERNACIONAL DE ESTUDOS PESSOANOS, Porto: Brasília Editora, 1979, pp. 341-364. [Comun. ao I C.I.E.P., Porto] *
Estudo comparativo biográfico-crítico dos participantes no fenómeno heteronímico, com especial incidência no caso de Alberto Caeiro, e das suas incidências e correlações com a vida real de FP ele-mesmo: Caeiro vivia com uma tia-avó (a tia materna de FP, Maria Xavier Pinheiro?), “viveu” exactamente o mesmo tempo que Mário de Sá-Carneiro (1889-1915) e “morreu” tuberculoso como o próprio pai de Pessoa. O poeta quinhentista inglês Sir Philip Sidney será um Alberto Caeiro avant la lettre.

25. “Inédito de Jorge de Sena sobre o ‘Livro do Desassossego‘”. In Persona 3, Porto, C.E.P., 7/1979, pp. 3-40. [Com uma introdução de Arnaldo Saraiva] *
Ensaio que seria o prefácio da edição do “Livro do Desassossego“, pela Ática, de que Jorge de Sena teve de desistir, em 1969, por insuperáveis dificuldades em obter, de Lisboa, cópias e informações rigorosas sobre os fragmentos. Historia-se, minuciosa e exaustivamente, a génese do “Livro”, incluindo os diversos planos em que ele é mencionado, inventaria-se rigorosamente a volumosa produção de FP em prosa e em verso, publicada entre 1915-1929 e 1930-1935 (para concluir que FP “não era o desconhecido que fizeram dele”), analisam-se as implicações da carta a Adolfo Casais Monteiro sobre a génese dos heterónimos e distingue-se entre Bernardo Soares e o Barão de Teive. Se nem todos os trechos do “Livro” são de igual valor, alguns serão da mais bela e mais penetrante prosa da língua portuguesa. Neles perpassam os temas dos poemas de todos os heterónimos e ortónimos: o racionalismo transcendental e o misticismo irónico e frio de FP ele-mesmo, a meditação existencial de Álvaro de Campos, o empírio-criticismo de Alberto Caeiro, a consciência da fugacidade de tudo de Ricardo Reis, o anarquismo paradoxal de “O Banqueiro Anarquista”, o neo-positivismo espiritualista dos “35 Sonnets”, a lascívia reprimida do autor do “Antinous”, etc., etc. Sob tudo isto, como uma maldição, a terrível incapacidade de amar, a medonha demonstração de que o homem existe pelos seus actos e não é outro senão eles e que não existe, senão como ficção, quando, em lugar de aceitar “ir sendo”, escolhe fixar-se na pedagogia monstruosa de ser por conta alheia, de se perder “na floresta do alheamento”.

26. [Verbete sobre Fernando Pessoa]. In COLUMBIA DICTIONARY OF MODERN EUROPEAN LITERATURE. Nova York: Columbia University Press, 1980. [Rep. em trad. portuguesa in Jorge de Sena, AMOR E OUTROS VERBETES. Lisboa: Edições 70, 1992, pp. 214-215]
Resumo biográfico-crítico de FP.

27. [Carta à Direcção da “Presença”]. In FERNANDO PESSOA & Cª. HETERÓNIMA (ESTUDOS COLIGIDOS 1940-1978). Lisboa: Edições 70, 1982, pp. 23-24 (Vol. I). [Rep. in 3ª. ed., pp. 17-18]
Carta datada de 6 Abril 1940. Post-scriptum (não publicado) à carta de 8 de Janeiro 1940, com indicação de mais uma variante do poema “Apostila”, de Álvaro de Campos.

28. “Ela canta pobre ceifeira”. In FERNANDO PESSOA & Cª. HETERÓNIMA (ESTUDOS COLIGIDOS 1940-1978). Lisboa: Edições 70, 1982, pp. 7-65 (Vol. II). [Rep. in 3ª. ed., pp. 207-253]
Ensaio sobre a poética do FP ortónimo. Entre o enorme número de poemas por ele publicados em vida, “Ela canta pobre ceifeira” ocupa lugar de relevo; a seu propósito, analisa-se exaustivamente a produção poética ortónima entre 1914 e 1934, nos aspectos da métrica, da rima e da organização estrófica, verificando a recorrência de poemas octossilábicos, o que revela um gosto incomum por essa medida (contrariamente à ideia generalizada de que o FP ortónimo era quase uniformemente heptassilábico). Historia-se a génese daquele poema e estudam-se em pormenor sete dos poemas enviados por FP a Armando Côrtes-Rodrigues em 1915. Para Jorge de Sena, a obra dita ortónima não é menos heteronímica que a dos heterónimos propriamente ditos: apenas muitas vezes ela participa sinultaneamente dessa criação “em nome de outrém” (ainda que assinada FP), que imita uma maneira de estilo, e de uma consciência crítica do não-eu que a assinatura ortónima civilmente representava.
A obra pessoana de Sena é paradigma de uma atitude crítica de incomparáveis scholarship, profundidade, inteligência e intuição: não se pode compreender a obra de Fernando Pessoa se não se conhecer o que sobre ela escreveu Jorge de Sena.

 

 

* Licenciado em Direito ligado à Fundação Calouste Gulbenkian durante décadas (1961-2004), José Blanco é “pessoano” apaixonado desde longa data e vem realizando detido trabalho de investigação e de divulgação internacional da obra do poeta. Além de numerosa participação em encontros científicos, foi curador das exposições pessoanas de 1985, em Paris e Londres, e de 1988, em Lisboa. A sua portentosa Pessoana (Bibliografia passiva, selectiva e temática e Índices), em 2 vols., registra mais de 6.000 verbetes comentados e constitui indispensável instrumento de estudo para quem se debruce sobre Fernando Pessoa.