Sobre a Nudez / On Nudity

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“Sobre a Nudez”, poema de Peregrinatio ad Loca Infecta (Poesia III), é um belo exemplo da poética seniana para além das fronteiras das tão comentadas metamorfoses. Em franco combate a qualquer forma de hipocrisia ou censura, a poesia se despe em busca de liberdade. Abraça a nudez como única condição possível nos momentos mais extremos: o nascimento, a morte, a humilhação, o prazer. Sob o olhar atento de médicos e professores de ginástica, ou sob o toque atencioso do amor, a nudez do poema é o desvelar de uma concepção de mundo sem artifícios ou barreiras a nos proteger do horror ou do deslumbramento, do “feio de muitos”, da “beleza de alguns” ou do “fascínio de uns raros”. Despem-se a poesia e a vida, para que se possam penetrar mutuamente.

Agradecendo a sempre generosa colaboração do Professor George Monteiro (Brown University), que agora nos oferece sua inédita tradução para o poema, apresentamos duplamente este exercício de “desnudamento poético”, em português e inglês.

 

SOBRE A NUDEZ

Quoi! Tout nu! dira-t-on, n’avait-il pas de honte?

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Tout est nu sur la terre, hormis l’hypocrisie.

Musset, Namouna

Nus nascemos, nus
nos inspecciona o médico,
a tropa, o professor de ginástica.

Nus, na mesa de operações,
na cama de hospital,
no dia da morte.

Nus no amor para nos vermos,
sentirmos a pele dos outros corpos e
para mais que penetrarmos

termos o choque e o roçar
que nos dizem do quanto penetramos.
Nus sempre, menos no que não importa.

Porque há então quem tema tanto
a nudez dos outros? Será
que teme, menos que o feio

de muitos, a beleza de
alguns, ou o fascínio das
esplêndidas partes

de uns raros? E que, paralisados
(de inveja), deixemos que o mundo e a vida
se soltem à deriva

para a nua liberdade?

1968-69

 

ON NUDITY

Born in the nude, we
are examined in the nude
by doctors, gym teachers, the military.

Nude, on the operating table,
the hospital bed,
the death-bed.

Nude in love-making so we can see each other,
feel the skin of the other body,
feel the shock and friction

of penetration that tells us
of what we have penetrated.
Always nude, except in what is unimportant.

Why, then, do we so fear
the nudity of others?
Is it that we fear less the ugliness

of the many than the beauty of some,
the fascination of
the splendid parts

of those, the rare ones? That,
by envy paralyzed, we permit
the world and life to free selves
by deflection for

naked freedom?