A poesia francesa traduzida por JS

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Em alusão a mais um "14 Juillet", aqui trazemos uma pequena antologia de poetas franceses traduzidos por Jorge de Sena na sua Poesia de 26 Séculos. Os textos selecionados, de diferentes séculos e diversos tons, bem comprovam a versatilidade do tradutor e são respectivamente acompanhados das famosas "Notícias biográfico-críticas dos poetas e comentários aos poemas e às traduções".  Em vídeo, o poema "Recueillement", de Baudelaire, dito por Gilles-Claude Thériault.
 

 


François Villon
(1431-1463)

BALADA DAS MULHERES DE PARIS

Que sejam boas linguareiras
Florentinas e Venezianas,
Para servir de mensageiras,
Também Lombardas e Romanas,
E as Genovesas e as Toscanas.
Aqui vos garante quem diz
(Em que pese às Sicilianas):
Para a boca, só de Paris.

Em bem falar serão vezeiras,
Doutoras, as Napolitanas.
Como boas cacarejeiras
As de Bruges e as Alamanas.
Que sejam Gregas ou Troianas,
E de Hungria ou de outro país,
Aragonezas, Castelhanas;
Para a boca, só de Paris.

Bretãs, Suíças, más palradeiras.
Mais Gascoas e Toulousanas:
Um par das nossas regateiras
Cala-as logo e às Alsacianas,
Às ingresas como às Renanas
(É bastante a lista que eu fiz?),
E às Picardas e às Sabolanas:
Para a boca, só de Paris.
Senhor, às damas mais maganas
O prémio deveis dar, feliz.
Por mais que valham Italianas
– Para a boca, só de Paris. 

 

=> Nascido com a maior probabilidade em Paris, em 1431, terá sido, de seu nome, François de Montcorbier, como figura nos livros de matrícula da Universidade de Paris, onde se formou em 1452. O apelido Villon, por que veio a ficar conhecido ainda em seu tempo, seria o do seu presumível parente e protector, Guillaume de Villon, eclesiástico e professor, em casa de quem viveu quando estudante. Muito popular como poeta e como homem, Villon teve muitas vezes as boas graças dos grandes (como o admirável poeta e grande senhor o duque Charles de Orléans) que o protegeram das consequências dos seus desatinos. Preso e condenado várias vezes por assaltos e roubos, por chefe de um bando de escolares marginais, por assassino, Villon conheceu as prisões e a tortura da justiça do seu tempo, e, em 1462, foi preso, que se saiba, uma última vez, e condenado à morte por culpas acumuladas. Foi quando terá escrito a terrível Balada dos Enforcados como seu próprio epitáfio, um dos maiores monumentos de sentimento poético e de humor negro da poesia universal. A sentença foi comutada em dez anos de banimento, nos primeiros dias de 1463, e, dessa data em diante, Villon desapareceu sem deixar outro rasto que a sua magnificente obra poética onde há de tudo, desde o mais completo desbragamento moral à mais aguda consciência do destino humano, desde a mais grosseira linguagem (por vezes em gíria cuja interpretação levanta enormes problemas) à mais refinada utilização de todas as tradições literárias que convergiam na sua cultura, desde o mais rude ou gracioso humor às mais subtis gradações de um pensamento muito mais profundo do que habitualmente se reconhece, ao meditar sobre a decadência física, sobre a angústia do tempo perdido. Se as suas formas poéticas têm muito da tradição medieval, nelas palpita todavia uma forma vital, um sentido da pessoa humana, um gosto indómito de ser-se Villon com o bem e o mal, que são indubitàvelmente a expressão de uma consciência renascentista. De 1489 até aos meados do século XVI a sua obra conheceu numerosas edições. Os homens da Pléiade, com o seu neo-classicismo maneirista, e depois o preciosismo e a organização do classicismo barroco, lançaram sobre Villon um desdenhoso descaso que só no século XVIII, ao iniciar-se uma curiosidade pelo medievalismo, se desfez, permitindo a sua restituição à história da poesia francesa, de que, hoje, embora não sirva de exemplo de santa e virtuosa vida, é um dos mais gloriosos poetas.

 

Joachim Du Bellay
(1522-1560)

"HEUREUX QUI COMME ULYSSE…"

Feliz quem como Ulisses fez tão bela viagem,
Ou como o que buscou e conquistou o Tosão,
E prenhe regressou, de ciência e de razão,
A viver entre os seus o mais desta passagem.

Ai quando reverei da minha aldeia a imagem,
Seus lares fumegando, e qual será a estação
Em que verei de novo essa pobre mansão
Que para mim val mais que torre de menagem?

Mais me praz de avós meus este solar tranquilo,
Que de palácio em Roma o audacioso estilo.
Mais do que o duro mármore uma ardósia fina,

Mais o meu Loire gaulês que o Tibre tão latino,
Mais o menor Liré que o Monte Palatino,
E mais que o ar marinho a doçura angevina.  

 

=> Nobre do Anjou, onde nasceu em 1522, é militar e diplomata. Viveu em Roma, como secretário de um seu tio, cardeal, onde escreveu a sua célebre colectânea de sonetos Les Regrets. Morreu em Paris, em 1560. O O seu encontro com Ronsard decidiu do seu destino poético, e é com ele um dos chefes do gruída Pléiade, cujo manifesto, Déffense et lllustration de la Langue Française, redigiu e publicou em 1549, e que longamente foi considerado como marcando o início do Renascimento na poesia de França. Na realidade, poetas de uma França já dilacerada pela Reforma e as perseguições religiosas, esses homens que renovaram a poesia são já e sobretudo maneiristas. As guerras civis de religião começaram no ano em que Du Bellay morreu. O soneto dele, que traduzimos, é um dos mais célebres da língua francesa.

 

Voltaire
(1694-1778)

A MADAME DU CHATELÊT SOBRE A AMIZADE

Se quereis que ainda ame agora,
Tornai-me à idade do amor.
Dos meus dias ao sol-pôr
Que brilhe uma nova aurora.

O Tempo tem-me cativo,
E manda que eu não mais vá
Onde quer que o ébrio Divo
Com Amor reinando está.

De tão dura austeridade
Tiremos algum valor:
Quem não vive a sua idade
Dela sofre só a dor.

À juventude deixemos
Suas paixões sem juízo:
Só dois momentos vivemos:
Seja um deles o do sizo.

Para sempre me deixais,
Ternura, ilusões, loucuras!
Dons do céu, que consolais
Do vivente as amarguras!

Duas vezes nós morremos:
Não amar nem ser amável —
Oh, que morte insuportável:
Deixar a vida é o menos.

Assim a perda eu chorava
Dos erros da juventude;
E minha alma lamentava
Suas fugas à virtude.

A Amizade veio então
Em meu socorro, superna.
Como o Amor será tão terna,
Mas mais viva que ele… não.

Tocado de luz tão bela,
E de tamanha beleza,
Seguia-a, mas na tristeza
De não seguir mais do que ela.


=> Nome literário de François-Marie D'Arouet, nascido em Paris, em 1694, onde morreu em 1778, no ácume de uma glória que enchera o século XVIII, de que ele é, em França e fora dela, uma das maiores figuras literárias. O seu carácter, mas sobretudo a sua audaciosa coragem, o seu livre pensamento, a sua ironia, o seu sarcasmo, o seu brilho intelectual, a finura terrível do seu estilo, os ataques que dirigiu contra a superstição, a incultura, a tirania, os equívocos filosóficos, etc., grangearam-lhe até hoje roazes inimigos. A obra que deixou é imensa: poemas, peças de teatro, tratados filosóficos, panfletos, romances satíricos, obras de história e de sociologia da história (em que foi precursor), ensaios críticos, e volumes e volumes de correspondência com a Europa inteira. Perseguido e foragido muitas vezes, foi um dos maiores agitadores de ideias do seu tempo, e um dos homens que mais contribuiu para o dealbar da Revolução Francesa. A Igreja Católica viu nele longamente o maior inimigo—e ele não o era sequer do cristianismo, mas da religião corrupta que era a que tinha diante dos olhos. O século XVIII e o próprio Voltaire estimaram altamente a sua poesia, em que há por certo poemas notáveis, em que mesmo aflora sob a fria ironia uma sensibilidade quase romântica. De interesse português é o poema filosófico que publicou em 1756, Poème sur le Désastre de Lisbonne, ou Examen de cet Axiome: Tout est bien, e em que protesta, em nome da humanidade, contra o terramoto de Lisboa… É neste poema que aparece o célebre verso: "Je respecte mon Dieu, mais jaime l'univers".

 

Gérard de Nerval
(1808-1855)

DÉLFICA

Conheces tu, Dafné, este cantar de outrora
que junto do sicômoro ou sob os loureiros,
ou mirtos, oliveiras, trémulos salgueiros,
este cantar de amor… que volta sempre e agora?

Reconheces o Templo – peristilo imenso –
e os ácidos limões que teus dentes mordiam,
é a gruta onde imprudentes ébrios se perdiam
e do dragão vencido dorme o sémen denso?

Hão-de voltar os deuses que saudosa choras!
O tempo há-de trazer da antiguidade as horas;
a terra estremeceu de um ar de profecia…

Todavia a sibila de rosto latino
adormecida à sombra está de Constantino
e nada perturbou a severa arcaria.
 

=> De seu verdadeiro nome Gérard Labrunie, nasceu em 1808, e na boémia literária parisiense viveu uma juventude que descreveu em mais de uma obra. Imbuído de germanismo, foi o tradutor francês do Fausto de Goethe, tradução que o patriarca alemão muito admirava. Viajou também pelo Oriente (do que escreveu um belo relato). A partir de 1811, sofre intermitentemente de perturbações mentais que o levam mais do que uma vez a internar-se em casas de saúde. Apareceu enforcado, numa madrugada de Janeiro de 1855, na rua da Vieille Lanterne, no Paris onde nascera e viveu grande parte da vida. As suas breves narrativas de quase imateriais figuras femininas, Les Filles du Feu e a sequência de sonetos Les Chimères (umas e outra coligidas em 1851) não são apenas obras-primas do Romantismo francês, mas obras nitidamente anunciadoras do simbolismo (pela densidade da expressão carregada de alusões) e do surrealismo (pela importância dada ao sonho visionário). Mas há na obra de Nerval complexas ressonâncias de ironia, realismo, fantasia, etc.. que ampliam uma grandeza que só recentemente lhe tem sido reconhecida pela crítica, a par dos grandes nomes de românticos da França. O movimento romântico neste país, como é sabido, após a geração dos promotores da nova sensibilidade. Madame de Stäel, Benjamin Constant, Chateaubriand, Sénancour, Xavier de Maistre, os filósofos socialistas Saint-Simon e Fourier (todos nascidos entre 1760 e 1772), surge com uma primeira geração (Nodier, Lamennais, Stendhal, Desbordes-Valmore, Lamartine, nascidos entre 1781 e 1790), a que se alia uma outra que é a dos grandes triunfadores na sua maioria (Vigny, Michelet, Sainte-Beuve, George Sand. Balzac, Hugo, Mérimée, nascidos entre 1797 e 1814), alguns dos quais apontam para os desenvolvimentos ulteriores. Aloysius Bertrand, Nerval, Maurice de Guérin, Musset, Théophile Gautier, nascidos entre 1807 e 1811, são já o romantismo irónico, ou neo-classicista. ou visionário, ou fantasista, ou a proposição da Arte pela Arte, que anunciam o Parnasianismo e o Simbolismo. O Romantismo francês foi longamente mais uma sensibilidade que um movimento até aos anos 20 e 30 do século XIX, em que se afirma como tal. Nos anos 50, com Baudelaire e Leconte de Lisle, novas direcções se abrem na poesia, que, só com muito mais tarde o reconhecimento dado a Baudelaire e seus continuadores, propiciará uma visão mais justa de Nerval. A Prima pertence à primeira fase, muito à Heine, da sua poesia. Délfica e Versos de Ouro são o quinto e o último dos doze sonetos das Quimeras, um dos mais altos cumes da poesia do século XIX, em que Nerval captou e transformou, para os seus fins, a atmosfera evocadoramente clássica dos sonetos de Du Bellay.

 

Charles Baudelaire
(1821-1867)

RECOLHIMENTO

Tem juízo, ó minha Dor, e faz por sossegar.
O Anoitecer querias, ei-lo que vem vindo:
Uma atmosfera obscura as ruas vai cingindo,
Que a uns promete a paz, e aos outros o pesar.

Enquanto dos mortais a multidão vulgar,
Ao chicote do Cio, esse carrasco infindo,
Remorsos colhe o Vício perseguindo,
Dá-me a tua mão, ó Dor, e vamos devagar

Longe de tudo. Vê: os anos mortos de outrora
Do céu espreitam em vestes já sem uso agora;
Sobe das fundas águas a Saudade casta;

O moribundo Sol num vão de arco descansa
E qual vasto lençol que se do oriente arrasta,
Escuta, oh escuta, a Noite que tão doce avança.

 

=> Filho de pai velho e de mãe jovem, nasceu em Paris, a 9 de Abril de 1821. Órfão de pai aos seis anos de idade, sua mãe casou pouco depois com um coronel Aupick que, general, embaixador, senador do Segundo Império, veio a morrer em 1857, cerca de dois meses antes de serem postas à venda Les Fleurs du Mal, e que, como a mãe, sempre dificilmente compreendeu a personalidade do poeta. Este, concluídos os estudos secundários em 1839, entrega-se a uma vida juvenil de boémia, escreve poemas; e a família decide que uma longa viagem o desviará dos maus caminhos… Baudelaire embarca, em meados de 1841, para o Oceano Índico, onde visita a Ilha Maurícia e a Bourbon. Nesta, recusa seguir no navio, e regressa depois à França em princípios de 1842. A viagem, todavia, terá dado a Baudelaire as sugestões marítimas e tropicais que são uma das linhas mais fascinantes da sua poesia. Nesse mesmo ano do regresso, atingindo a sua maioridade, recebe a herança paterna, e instala-se em Paris; é também nesse ano que inicia uma longa e intermitente ligação com Jeanne Duval que será, em tons que vão do sarcasmo à paixão, uma das suas constantes musas. Em 1844, a família, receosa de vê-lo gastar o dinheiro que recebera, interdita-o judicialmente. Poemas seus aparecem em revistas literárias, e Baudelaire aproxima-se simultâneamente dos românticos que evoluíam para o esteticismo, como Théophile Gautier, e dos que proclamavam o realismo, como Champfleury. Em 1848, participa na luta revolucionária nas barricadas de Paris; e sempre, o que não tem sido suficientemente posto em relevo, se sentira próximo dos socialistas utópicos como Fourier. De 1849 data a sua amizade com o pintor Courbet, mestre de realismo. Em 1854, começam a aparecer em folhetim de um jornal os contos de Edgar Poe, em tradução de Baudelaire, e a importância que este atribuiu ao poeta norte-americano na formação da sua consciência estética coloca Poe entre os antepassados da poesia moderna, através do seu tradutor francês. Em fins de Junho de 1857, dá-se o lançamento da célebre colectânea de poemas, que um artigo do Figaro violentamente denuncia como imoral às autoridades imperiais. O livro é apreendido pela polícia, e autor e editor são condenados em tribunal (semelhante caso se passa, na mesma época com Madame Bovary, de Flaubert, o que simboliza a ruptura entre a grande arte e o público burguês instalado no poder). Les Paradis Artificiels, obra em prosa que descreve as experiências de Baudelaire com drogas, é publicada em 1860. No ano seguinte, sai a reedição ampliada de Les Fleurs du Mal, sem os poemas "proibidos", que serão reeditados na Bélgica, em princípios de 1866, juntamente com outros poemas(Les Épaves). As perturbações nervosas e de estado geral, que se haviam declarado em 1862 (sem impedir que alguma da sua melhor obra crítica ou de poesia em prosa seja dessa época), agravam-se sèriamente também naqueles princípios de 1866. E, neste mesmo ano, quando o Pamasse Contemporain o incluía entre os seus colaboradores como um dos mestres de "nova poesia", Baudelaire morre em Paris, a 31 de Agosto, sendo sepultado no cemitério de Montparnasse. É irónico acrescentar-se que a sentença contra Baudelaire e parte da sua obra só foi judicialmente anulada em 1949… quando já era mais do que evidente que ele representava, para a época contemporânea, o que Petrarca representara para tantos séculos de poesia. Poeta em verso e em prosa, um dos fundadores da moderna crítica de arte, novelista, tradutor ilustre, longamente os equívocos têm obscurecido a complexidade e a profundidade de pensamento e de visão poética de um dos maiores e mais importantes poetas do mundo, que ele foi. A sua época, imbuída de grandiloquências retóricas, não compreendeu o rigor clássico da sua expressão, que, por sua vez, os parnasianos preferiam como impassibilidade estética. Se muitos dos seus contemporâneos e a tradição vulgar fizeram dele a imagem do perverso e do mórbido, não menos os esteticistas dele descendentes o distorceram, ao valorizarem precisamente esses aspectos. E os simbolistas, ao reclamarem-se dele, quase nenhum compreendeu a lucidez realista, a coragem espiritual, o intelectualismo dramático, e o senso profundo da humanidade, que permeiam a sua poesia; do mesmo modo que muita crítica francesa neo-católica, num louvável esforço de integrá-lo à "boa literatura", o traiu, ao dar um definido sentido religioso ao apaixonado de liberdade do espírito, como Baudelaire firmemente se definiu nos seus escritos. Ciência do ritmo, domínio das imagens, opulência magnificente de um visionarismo inteligentemente controlado, transposição estética da pessoal experiência e de um agudo sentido do carácter contraditório das coisas e da vida, fazem dele um dos grandes mestres de poesia, inedutível a fórmulas ou rótulos simplificados da história e da crítica literárias. Do poema A Vida Anterior (que, note-se, é, na forma estrófica, um soneto inglês), fez o compositor Duparc (1848-1933), um dos maiores lieder da história da música.

 

Sthéphane Mallarmé
(1842-1898)

O TÚMULO DE EDGAR POE

Tal que em Si-mesmo enfim a Eternidade o apura
O Poeta suscita com seu gládio erguido
Seu século aterrado de não ter ouvido
Que a morte triunfava nessa voz obscura!

Eles, em sobressalto como de hidra impura
Audindo o anjo aos da tribo temos dar sentido
Puro mais, logo aclamam sortilégio haurido
Nas desonradas águas de uma atra mistura.

Opostos solo e nuvens, ó suprema dor!
Se a nossa ideia com não cria de escultor
De que a tumba de Poe se orne resplandecente,

Calmo tombado bloco de um desastre escuro,
Que este granito ao menos mostre o seu batente
Ao negro vôo blasfemo esparso no futuro.  

 

=> Nasceu em Paris em 1842, e após trinta anos de carreira como professor liceal de inglês, morreu em Valvins, perto de Fontainebleau, em 1898, para onde fora viver em 1894, ao reformar-se, e onde desde 1874 tinha uma pequena residência de férias. Desde cerca de 1880 que na sua modesta morada de Paris se reuniam muitos dos escritores e poetas que constituíam a vanguarda literária do movimento simbolista. Pode considerar-se que a primeira grande ruptura entre parnasianos e simbolistas se dera em 1875, quando os directores do Pamasse Contemporain lhe recusaram para publicação o poema L' Après-Midi d'un Faune (naquela antologia eventual, de que sairam três números, em 1866, 1871, 1876, se haviam reunido as diversas tendências post-românticas que se vinham manifestando desde os anos 50 do século). O simbolismo, que se reclamava de Baudelaire, pode dizer-se que foi proclamado em 1886, e nele Mallarmé, como Verlaine e a repercussão "póstuma" de Rimbaud (este abandonara a poesia nos meados de 70, e deixara definitivamente a Europa em 1880), representou um dos papéis principais. Quer na sua poesia, quer na sua obra em prosa, Mallarmé é um dos primeiros a pôr radicalmente em causa as estruturas tradicionais da linguagem escrita, para criar uma expressão capaz de simbolicamente sugerir diversos níveis de sentido. A sua busca de uma analogia com a música é porém inteiramente diversa, quer do emocionalismo de Verlaine, quer do visionarismo de Rimbaud, pois que Mallarmé visa concretamente não apenas a sugestão, mas a combinação lúcida de várias linhas de sentido na mesma frase. Poucos poetas parecem, tanto como ele, "ininteligíveis" aos que temem compreender a complexidade e a ambiguidade reais do pensamento e das suas relações com a linguagem. Os dois sonetos que dele traduzimos são dos mais célebres, um por conter algumas das ideias mais importantes de Mallarmé sobre a poesia, e o outro por ser um dos mais extremados exemplos da insólita combinação de diversos planos de sentido.