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Madison, Wisconsin. Postal enviado a Dante Moreira Leite, em 30/10/65

Dos primeiros tempos nos USA, em carta a Sophia

Da correspondência editada de Jorge de Sena, é na carta de 21 de maio de 1966, dirigida à amiga Sophia de Mello Breyner Andresen, que encontramos uma primeira avaliação da experiência americana da família Sena, iniciada poucos meses antes. Abaixo, transcrevemos esse trecho.

 

 

Nós estamos bem, e a adaptação necessariamente complexa, até pela dificuldade da língua para a maior parte de uma larga família que a não conhecia, processou-se e continua a processar-se, melhor do que poderia esperar-se de tanta gente, num meio inteiramente novo. A nossa vida não tem ainda o desafogo que poderia ter, com o nível de salário catedrático, que tenho, porque os encargos portugueses e brasileiros, juntamente com as despesas de instalação, ainda pesam bastante. Mas tenho esperança de que tudo melhore em breve. O meu trabalho pessoal, porque a universidade me ocupa e dispersa mais tempo do que ocupava no Brasil, é que tem ficado um pouco para trás: ainda não acertei devidamente o meu tempo (mas isto em parte se deve também ao atraso de meses nos trabalhos, que eu trazia dos últimos meses do Brasil, quando vivi correndo para o Rio e São Paulo, tratando das papeladas e mais dificuldades de conseguir vir para aqui). A universidade já me ofereceu a permanência, não sei se a partir do próximo ano lectivo, se do seguinte (visto que a situação de «visiting professor» pode prolongar-se normalmente por dois anos), que eu aceitarei. Em caso algum isto me prende para o futuro – mas dá-me maior segurança enquanto aqui estiver. E por quanto tempo aqui estarei? Ao Brasil, que amo, não pretendo voltar, porque é-me impossível sustentar lá uma família como a minha. A Portugal só quando for possível, e nunca para que pareça que pretendo pescar uma cátedra que ninguém me dará. No entanto, não creio que a América me prenda – com todo o heróico e devotado liberalismo autêntico que há por aqui muito mais do que oficialmente se faz saber, é outro mundo, ainda que um mundo, no meio em que vivemos, tão refinado como o europeu ou mesmo mais. E a nossa sensação será sempre a dos gregos que eram convidados a ensinar em Roma. Além de que ou isto aqui leva uma grande e clamorosa volta, ou teremos uma espécie de ditadura militar do «big-business», que tornará a vida impossível. Brincando, brincando, já começo a pensar em qual será o meu próximo país. Sonho com a Itália ou a Grécia – mas não dão emprego… Quem sabe se o Japão me dará. Pelo menos entretanto, os meus filhos aprendem o inglês que lhes facilitará a vida em qualquer parte.