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Correspondência com Delfim Santos  

Quando em 1966 José-Augusto França pergunta por carta a Jorge de Sena se ele “- Soube da morte do Delfim Santos, em Setembro?”, o autor dos Sinais de Fogo respondeu: “- Soube, sim. Mais outro que morre de frustração portuguesa”. Certamente evocava o Poeta o amor tão pouco retribuído dele próprio e de Delfim à cultura, ao pensamento e às letras portuguesas – um e outro aguardam ainda o reconhecimento que lhes é devido, entre tantos motivos, pelo seu pioneirismo, pela sua ousadia, pela sua frontalidade e sobretudo por essa tão fértil atitude de exemplar inconformismo e perdurável esperança, sempre iludida e sempre forçosamente adiada, num Portugal que pudesse ser realmente digno dos seus escritores e pensadores. (Filipe Delfim Santos)

As cartas que aqui reproduzimos fazem parte do volume Correspondência 1943-1959, e nos foram gentilmente cedidas por seu organizador, a quem agradecemos esta pré-publicação.

 

31.VII.51

Meu caro Amigo:
Li imediatamente a conferência sobre Camões [1] que amavelmente me enviou. Mas só hoje lhe posso agradecer e comunicar que a apreciei com toda a simpatia. Afastado de Camões, como toda a gente — incluindo aqueles que o estudam sem talento embora com erudição — senti o que de grandioso, pela sua conferência, a nossa geração poderia fazer pelo nosso Poeta. V. mostrou o caminho através de um ensaio dialéctico revelador de Camões.

Julgo ser esta a grande via e ser este o sentido apontado por si, embora [esteja] em desacordo com o seu subtítulo…[2] Porque não realiza V. um inquérito sobre Camões – o nosso possível Camões – entre as pessoas que tenham lido o seu ensaio?? Aqui vai uma sugestão que poderia resultar… e invalidar o Poeta dos eruditos, estragado e subsumido.

Um abraço com os agradecimentos e a admiração do seu
DELFIM SANTOS

[anotação de Jorge de Sena: respondi 7-8-951JS.]

Lisboa 6/8/951

Meu caro Amigo

Cartas como a sua consolam-me da maldade com que toda a gente se tem recusado sequer a fazer crítica ao meu trabalho sobre Camões, que julgaria sempre o grande caminho, não por ser o que eu vi, mas porque é o que lá está e era só preciso olhar – julgaria, mesmo que ninguém mo dissesse. Que V. mo tenha dito é uma consolação para fora da roda mais estreita de amigos próximos que nada chegam a dizer porque aí tudo é tácito, até a consideração; e para fora da roda mais vasta do público que nunca diz nada, e take for granted através de uma consideração que foi passando secretamente, rodeando as escolhas de pertinácia e estupidez.

Quanto ao meu subtítulo, a palavra ensaio está empregada em todos os sentidos – nem eu lá digo que não esteja. Inquéritos, onde os farei? – o Unicórnio não é meu e nunca me proponho para coisa alguma [3].

Creia gratamente amigo e camarada o
JORGE DE SENA
1. A conferência foi proferida no Porto em 12.06.48, no Clube Fenianos Portuenses, e publicada em Lisboa (veja-se a nota seguinte).
2. Jorge de SENA (1951) A poesia de Camões, ensaio de revelação da dialéctica camoniana, Cadernos de Poesia 7, Lisboa.
3. A revista -Cómio era dirigida por José-Augusto França e nela a colaboração de Jorge de Sena surgira por convite e não por sua proposta.